quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Hoje fitando o espelho, eu vi meus olhos vermelhos. Descobri que a vida que eu vivi foi ilusão.

(trecho da música Minhas Madrugadas de Paulinho da Viola)


As vezes me surpreendo quando estou a me olhar no espelho, passo horas em frente ao espelho sem perceber. Acho que perco a noção do tempo. Bem, muita gente tem esse estranho hábito de passar horas diante do espelho, eu não sou diferente.

É estranho notar que quando nos olhamos no espelho nunca estamos satisfeitos com aquilo que vemos. Defeitos estéticos, pequenas imperfeições, marcas da idade. Tudo é motivo para insatisfação. Mas estes aspectos estéticos não são os únicos que me incomodam quando me olho no espelho. Mais do que isso o que me incomoda de fato é que vemos o que somos e não o que gostaríamos de ser, é ver a nós mesmos e não o que gostaríamos de ver.

De certa forma nossos ideais sempre diferem de nossa realidade e sempre remetem ou ao passado; quando éramos jovens, quando fazíamos algo, quando tínhamos tempo, quando tínhamos isto ou aquilo, quando éramos felizes. Ou ao futuro; quando tivermos isto ou aquilo, quando tivermos tempo, quando nossos projetos derem certos, quando encontrarmos a pessoa certa, quando formos felizes. Ou ainda, e talvez este seja o caso mais freqüente, remetam a um futuro do pretérito, algo que seríamos se tivéssemos sido, se tivéssemos falado, se tivéssemos agido, se tivéssemos feito a escolha certa, se tivéssemos tido coragem... Como seríamos felizes se fossemos felizes.

Assim parece que nossos ideais estão sempre presos em um tempo que não é o nosso, que nunca é o tempo de “agora”. Ou seja, perseguimos uma felicidade que se encontra sempre no horizonte, como um cão que persegue o próprio rabo.

Assim me parece que os espelhos de nada nos servem, a não ser para nos incomodar, nos colocar diante de nossos sonhos impossíveis. Assim sendo, estes espelhos deveriam ser quebrados............. talvez seja essa a solução.... quebrar espelhos. Já viram um espelho quebrado? Refletem em seus minúsculos pedaços a mesma imagem, as mesmas imagens que são sempre diferentes umas das outras..... infinitamente diferentes. Milhares de olhares distintos sobre um mesmo objeto, milhares de possibilidades geradas por um mesmo objeto...... milhares de possibilidades geradas por um mesmo sujeito!

Talvez a felicidade possível não esteja no que fomos, no que seremos, ou no que gostaríamos de ter sido. Talvez a felicidade possível esteja presente nas infinitas possibilidades de ser, de ser agora tudo aquilo que somos, ou melhor, ainda de ser agora tudo aquilo que não-somos.... um constante tornar-se.

Uma felicidade possível não estava no lugar do qual partimos, muito menos se encontra no final de nossa viagem. Se a felicidade é possível, só é possível enquanto for a própria viagem.
Creio que devemos abandonar nossos ideais tão únicos, tão perfeitos, tão imutáveis, tão indivisíveis, em prol de um pouco de diferença, de multiplicidade, de imperfeição, de criação..... de arte.
Uma vez um lobo me disse: “Assim como a loucura, em seu mais alto sentido, é o princípio de toda sabedoria, assim a esquizofrenia é o princípio de toda arte, de toda fantasia”.Creio que ele estava certo........ afinal esquizofrenia significa espírito fendido, ou seja, esquizo é só um nome bonito para cindido, separado, partido, o importante é não ser uno, não ser indivisível.... seja um espelho ou um espírito.

Um comentário:

A.B.C. disse...

Olhos.
Outros olhos.
Espelhos fragmentados de nós mesmos.

Creio sermos um Uno tão divisível, tão fragmentável e incompleto.

Creio sermos um Multiplo tão próximo, tão ligado por cordões prateados invisíveis e autonomo.

a transitoriedade é linda. os olhos e olhares tão efemeros quanto um milésimo de segundo capturado.

E a Arte sempre estará no Movimento, que de certa forma cria a linda ilusão de continuidade...